O "Homem vive em dois mundos", o mundo físico (exterior) e mundo espiritual (intrínseco a ele próprio). Estes dois mundos são aparentemente distintos, contudo, vivem num interacção constante, isto é, o mundo espiritual (criado por cada um e em cada um) precisa necessariamente do mundo físico para passar do estado metafísico para o real. Dadas as circunstâncias, o Homem elabora as suas obras apoiado na realidade física, todavia, e por mais que queira ser objectivo, acaba sempre por transpor para elas aquilo que deambula no seu mundo espiritual. Em simples palavras, as obras do homem reflectem sempre os seus valores. E sendo a cultura"o que o Homem acrescenta à natureza", ela não é mais do que a aplicação dos seus valores. Daqui infere-se, que o Direito enquanto obra do espírito humano é uma manifestação cultural.
A cultura apresenta-se como uma dinâmica viva. Quer dizer, as culturas estão em constante processo de evolução, introduzindo novos códigos e actualizando valores. Enquanto produto cultural, o Direito está exposto a mudanças que variam de acordo com o tempo e com o espaço, que por sua vez operam na sociedade. Assim sendo, as normas que vigoram dentro de um certo espaço e de um determinado período de tempo, reflectem realidades sociais, económicas, culturais, políticas e ideológicas.
Daqui, concluímos que, nas diferentes culturas vigoram normas diferentes, que representam diferentes valores; que se confrontadas uns com os outros, acabam muitas vezes por se contradizer originando choques. Mas há valores que são universais, ou que pelo menos o deviam ser, como por exemplo, o valor vida, já que esta se afigura como um direito natural e universal de todos; quer seja homem, quer seja mulher, quer seja criança.
A Declaração Universal dos Direitos humanos de 1948 reconhece juridicamente a existência da dignidade pertencente ao ser Humano. Segundo esta - "nascer vivo" - é o único pré-requisito necessário para se ser respeitado. Se assim o é, porque é que se mata "o que rouba uma galinha, ou aquele a quem nasçam primeiro os dentes superiores, ou quem nasça numa quarta-feira?" Porque é que indiscriminadamente se retira ao Homem a"única coisa que ele tem como sua"? E ainda por cima, por simples insignificâncias! Será que são mesmo insignificâncias? Qual a legitimidade dos casos em cima citados? Porque é que na nossa comunidade (Europeia) a morte é condenada juridicamente, enquanto noutras sociedades é aplaudida? Quem está certo? Quem está errado? Estes actos, práticas ou valores, exprimem algo que pertence a umdeterminado povo, e aparece como a expressão da cultura dele. Será que, a partir do momento em que são considerados como tal, ganham o rótulo de incontestáveis? O relativismo cultural defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. O "bem" coincide com o que é "socialmente aprovado," e o mal com o que é respectivamente reprovado de acordo com os valores vigentes em cada cultura. Sendo que, embora os conceitos de bem e mal derivem de cultura para cultura, todos têm que os aceitar enquanto relativo a uma dada cultura, já que, o que para uns é o bem, segundo os seus padrões culturais, para outros pode significar o mal e vice-versa. Consideremos o seguinte exemplo: Em algumas culturas, é "dever do filho matar os pais antes de serem velhos". Considera-se que este acto é um culto particular de uma cultura. E, sendo assim, segundo o relativismo cultural, não se pode ter nada contra? Só porque faz parte da tradição de um povo retirar a vida a alguém não é condenável? O relativismo cultural revela 2 faces. Pode, sem dúvida, significar protecção às minorias e à preservação dos respectivos valores. Mas pode também significar, condescendência com costumes que atentam contra a dignidade do ser humano: mutilações rituais ou castigos degradantes e especialmente graves como no caso de agressão às mulheres verificados recentemente na Argélia e Afeganistão em que "o marido tem direito de vidaou de morte sobre a sua mulher". Depois deste esclarecimento, afinal quem têm razão? A defesa relativismo cultural é viável? Pode o direito actuar sobre estes casos? Não nos podemos esquecer que o direito que vigora nessas comunidades é modelado pela cultura, então não é isento. Responder a estas questões é complicado até porque o próprio "relativismo é relativo",se é que me faço entender. Do meu ponto de vista pessoal, quando se trata de valores como a vida, devem-se ultrapassar todas e quaisquer barreiras culturais. Pois a vida, por exemplo, é o único bem pessoal, que depois deatacado não mais pode ser remendado. E é isto que lhe dá importância: o facto de ser finito e de ser o único bem que o Homem tem como verdadeiramente seu. Falo na vida mas podia falar integridade Humana: física e moral; na dignidade em que todo o ser deve e pode viver enquanto "fruto da mesma árvore". Claro que esta perspectiva revela a tal divergência de pensamentos, o tal choque de culturas que tanto se fala por ai. E assim cai-se no ciclo vicioso da discussão do certo e do errado.
Ana Lúcia Nº2 12ºF